quinta-feira, 1 de março de 2012 | Autor:

Na verdade, tem. Se alguém declarar que a palavra Yôga (Yoga) não tem acento, peça-lhe para mostrar como se escreve o ô-ki-matra (ô-ki-matra é um termo hindi utilizado atualmente na Índia para sinalizar a sílaba forte). Depois, peça-lhe para indicar onde o ô-ki-matra aparece na palavra Yôga (Yoga) [ele aparece logo depois da letra y]. Em seguida, pergunte-lhe o que significa o termo ô-ki-matra. Ele deverá responder que ô-ki-matra traduz-se como “acento do o”. Então, mais uma vez, provado está que a palavra Yôga (Yoga) tem acento.

O acento no sânscrito transliterado deve aparecer sempre que no original, em alfabeto dêvanágarí, houver uma letra longa. A letra longa, via de regra, é representada por um traço vertical a mais, logo após a sílaba que deve ser alongada. Para indicar isso em alfabeto latino, na convenção que adotamos usa-se acento agudo quando tratar-se dos fonemas a, i, u; ou circunflexo quando for o ou e.

O acento circunflexo na palavra Yôga (Yoga) é tão importante que mesmo em livros publicados em inglês e castelhano, línguas que não possuem o circunflexo, ele é usado para grafar este vocábulo.

Bibliografia para o idioma espanhol:

  • Léxico de Filosofía Hindú, de Kastberger, Editorial Kier, Buenos Aires.

Bibliografia para o idioma inglês:

  • Pátañjali Aphorisms of Yôga (Yoga), de Srí Purôhit Swámi, Faber and Faber, Londres.
  • Encyclopædia Britannica, no verbete Sanskrit language and literature, volume XIX, edição de 1954.

Bibliografia para o idioma português:

  • Poema do Senhor (Bhagavad Gítá), de Vyasa, Editora Assírio e Alvim, Lisboa.

A convenção que utilizo
para transliteração do sânscrito

Minha convenção para a transliteração do sânscrito é mais lógica e mais prática para o uso na nossa profissão. Portanto, não vou abrir mão de uma convenção melhor só porque existe uma outra, acadêmica, que não nos satisfaz.

Esta não é uma convenção acadêmica. É a convenção que eu adotei. Querer discutir ou comparar a minha convenção com a convenção acadêmica é o mesmo que querer somar elefantes com tangerinas.

A linguagem acadêmica de um advogado (o advoguês) ou de um economista (o economês) pode ser muito boa dentro do círculo acadêmico, mas para uso fora da profissão mostra-se inadequada, incompreensível e, em alguns casos, até caricata.

Da mesma forma, a transliteração acadêmica do sânscrito pode ser muito boa no ambiente acadêmico, mas não fora dele, por exemplo, quando determina usar o ç para escrever a o nome de Shiva (Çiva). Ora, o som do primeiro fonema é levemente chiado. O leitor que não tenha sido informado que para a transliteração acadêmica çi tem o som aproximado de shi, instintivamente pronunciará errado e dirá “ssiva” Na escrita que aprendi na Índia, o sh sugere a pronúncia correta mesmo para leigos em sânscrito. Além do mais, utilizar o ç para escrever o nome de Shiva agride não apenas uma, mas duas regras da nossa língua. Em português, não se usa ç antes de i; e não se aplica ç no início de palavras.

Outro exemplo contundente é quando a transliteração acadêmica impõe grafar Yôga (Yoga)  com i. No curso de sânscrito que tive o privilégio de fazer em 1976 com um ilustre professor da USP – Universidade de São Paulo, um dia perguntei por que eu deveria transliterar “ioga”, se a letra y é diferente da letra i, tem outro formato e outro som, e está claramente indicada na palavra Yôga (Yoga)? Pior: quando eu transliterasse “Layá Ioga”, por que eu deveria respeitar a exatidão ao transliterar o y de Layá, mas deveria não respeitar essa exatidão ao substituir o y de Yôga (Yoga)  por uma letra i?

Meu ex-professor, por quem eu guardo muito carinho e profundo respeito, me esclareceu com toda a paciência. Disse-me que eu estava com a razão, mas que ele, como professor universitário, precisava obedecer à norma acadêmica, caso contrário poderia até perder o emprego. E que norma seria essa? “Termos sânscritos que já tenham sido dicionarizados, um professor universitário precisa transliterar da forma como constarem nos dicionários de português.”

Desculpe, mas isso não está certo. Respeito que os professores acadêmicos precisem se dobrar a essa norma, mas eu não preciso e não o farei. Até porque a palavra Yôga (Yoga)  aparece grafada com y em vários dicionários de português, como o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa; o Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora; a Enciclopédia Verbo; et reliqua, aceitam a grafia de Yôga (Yoga)  com y e no gênero masculino.

Muito interessante é observar que mesmo naquela época recuada na qual esta escritura hindu foi elaborada (mais ou menos no século sexto antes de Cristo), o texto da Gítá declara solenemente:

  1. que o Yôga (Yoga)  Antigo fora recebido por revelação pelos, assim chamados, “videntes reais”;
  2. que, após muito tempo, o Yôga (Yoga)  “proclamado antigamente” havia sido perdido. Imagine que no século VI a.C. ele já era considerado antigo e, mais, já havia sido perdido!

A que Yôga (Yoga)  o texto ancestral se referia? Obviamente, o Yôga (Yoga)  Pré-Clássico, pré-vêdico, pré-ariano, dravídico, que fora perdido com a ocupação ariana. Sabe-se que sua fundamentação era matriarcal e não-mística. Com a arianização, tornou-se patriarcal e, depois, mística. Logo, a estrutura original e antiga havia sido perdida, já nos tempos da elaboração da Bhagavad Gítá.

Palavra é mantra:
pronuncie corretamente com ô fechado

Pronunciar Yôga (Yoga)  (com ô fechado) é tão pedante
quanto pronunciar problema, para quem habitualmente diz “pobrema”.

Pronunciar um mantra erradamente pode desencadear forças desconhecidas com efeitos imprevisíveis. Recordemos o caso daquele professor de “yóga” do Rio de Janeiro (Vayuánanda, aliás, Carlos Ovídio Trota) que ensinava o bíjá mantra errado para o chakra do coração usava pam no lugar de yam e morreu de ataque cardíaco. Uma coincidência, certamente!

Se o mantra que designa esta filosofia de poder, saúde, amor e união, pronuncia-se Yôga (Yoga) , com ô fechado, quem pronunciar erradamente “a yóga”, com ó aberto, não conseguirá entrar em sintonia com o seu clichê arquivado no inconsciente coletivo ou registro akáshiko. Por isso, tais pessoas que pronunciam “a yóga” não conseguem poder, saúde, amor nem união, mas fraqueza, enfermidade, intolerância e desunião.

Quando os Mestres ancestrais determinaram o som mântrico Yôga (Yoga) , com ô fechado, para designar a nossa filosofia, eles sabiam muito bem o que estavam fazendo e a ninguém mais cabe a arrogância de achar que pode adulterar impunemente o nome do Yôga (Yoga) .

Muito da força que os mantras possuem deve-se ao conhecimento dos Mestres que souberam elaborá-lo numa alquimia de vibrações. Mas outro tanto do seu poder é adquirido com o passar dos séculos, cujo tempo impregna-o cada vez mais profundamente no inconsciente coletivo da humanidade. E, ainda, um outro tanto é gerado pela multiplicação quantitativa de pessoas que usam e veneram tais mantras, imantando-os com o poder dos seus próprios inconscientes individuais, prána, mente e ānima. No caso da palavra Yôga (Yoga) , com ô fechado, temos todos esses três fatores:

a) foi criado pelos Mestres ancestrais;

b) tem milhares de anos de antiguidade;

c) vem sendo utilizado e venerado por milhões de pessoas em cada geração, há milênios.

Tudo isso, porém, só se aplica à pronúncia correta do mantra Yôga (Yoga)  com ô fechado. Depois destas explicações, você ainda acha justificável o argumento evasivo de que “estamos no Brasil e aqui se fala a yóga“? Além do mais, essa premissa é falsa: no nosso país pronuncia-se o Yôga (Yoga) , sim senhor, numa percentagem bem elevada, especialmente entre os que mais entendem do assunto. E por estarmos no Brasil, acaso pronunciamos “Vachínguitom” o nome da capital dos Estados Unidos?

Não se trata de uma simples filigrana sem valor. Trata-se de um detalhe da mais alta importância, que utilizamos para separar o joio do trigo. Uma pessoa que entenda do assunto pronunciará o Yôga (Yoga) , enquanto que um ensinante sem boa formação pronunciará “a yóga“.

Por isso, quando alguém diz que está fazendo “yóga“, é exatamente isso o que está fazendo. Noutras palavras, não está praticando aquela filosofia que na antiguidade recebeu o nome de Yôga (Yoga)  e assim tem sido chamada durante milênios, no mundo inteiro.

Quem diz que faz ou ensina “yóga“, está se referindo a uma outra modalidade totalmente distinta, que teve origem no século vinte, aqui mesmo no Brasil. A “yóga” tem outra finalidade. Não pode ser confundida com o Yôga (Yoga) .

Ainda há aqueles que argumentam:

Yôga (Yoga) , yóga, tanto faz; com acento, sem acento, não faz diferença.

Quer dizer que não há diferença entre sábia, sabia e sabiá? Pois as diferenças entre uma pessoa sábia e um sabiá são as mesmas que existem entre o Yôga (Yoga)  e a “yóga“. Não sabia?

Quando pronunciamos corretamente os fonemas abertos ou fechados, isso estabelece distinções de significado. Veja, por exemplo, a frase: “Meu molho (mólho) de chaves caiu dentro do molho (môlho) de tomate.” Imaginou inverter para um “môlho” de chaves e um “mólho” de tomates? As chaves teriam que ser deixadas dentro da panela com água, e os tomates estariam em um feixe. Considere agora este outro exemplo: “Aquela menina travessa quebrou a travessa de comida.” E mais este: “Segure a fôrma desta forma.” Em todas as frases, a pronúncia, fechada em um vocábulo e aberta em outro de grafia idêntica, determina significados totalmente diferentes.

A grafia com Y

Quanto à escrita, o y e o i no sânscrito têm valores fonéticos, semânticos, ortográficos e vibratórios totalmente diferentes. O i é uma letra que não se usa antes de vogais, enquanto que o y é fluido e rápido para se associar harmoniosamente com a vogal seguinte. Tal fenômeno fonético pode ser ilustrado com a palavra eu, em espanhol (yo, que se pronuncia mais ou menos “”; em Buenos Aires “”) e em italiano (io, que se pronuncia “ío”). Mesmo as palavras sânscritas terminadas em i, frequentemente têm-na substituída pelo y se a palavra seguinte iniciar por vogal, a fim de obter fluidez na linguagem. Esse é o caso do termo ádi que, acompanhado da palavra ashtánga, fica ády ashtánga.

Vamos encontrar a palavra “ioga” sem o y no Dicionário Aurélio, com a justificativa de que o y “não existe” no português! Só que no mesmo dicionário constam as palavras baby, play-boy, playground, office-boy, spray, show, water polo, watt, wind surf, W.C., sweepstake, cow-boy, black-tie, black-out, back-ground, slack, sexy, bye-bye, railway, milady e muitas outras, respeitando a grafia original com k, w e y, letras que “não existem”. Por que será? Por que usar dois pesos e duas medidas? (Aliás, eu gostaria de saber para que queremos o termo railway! Não utilizamos estrada de ferro?). Palavras tão corriqueiras quanto baby, playboy etc., deveriam então, com muito mais razão, ter sido aportuguesadas para beibi e pleibói. Por que não o foram e “a ioga”, sim? E o que é que você, leitor, acha disso? Não lhe parece covardia dos linguistas perante seus patrões anglo-saxônicos?

É, no mínimo, curioso que o Dicionário Michaelis da língua portuguesa, registre as palavras yin e yang com y, ao mesmo tempo em que declara que o y não podia ser usado na palavra Yôga (Yoga) , porque “não existia na nossa língua”![1]

Pior: no Dicionário Houaiss encontra-se registrado até yacht (iate), yachting (iatismo), yanomami [do tupi-guarani], yen [do japonês], yeti [do nepalês], yom kippur [do hebraico], yama, yantra, yoni [do sânscrito], todos com y, mas o Yôga (Yoga) , não. Isso é uma arbitrariedade.

O próprio Governo do Brasil nunca admitiu que as letras y, k e w não existissem, pois sempre as colocou nas placas dos automóveis! Em Brasília, desde 1960, existe a Avenida W3 (W de West!!!). E se é o povo que faz a língua, nosso povo jamais aceitou que quilo fosse escrito sem k, como no resto do mundo, assim como recusa-se a acatar que a palavra Yôga (Yoga)  não seja grafada com y, como no país de origem (Índia) e nos países de onde recebemos nossa herança cultural (França, Espanha, Itália, Alemanha e Inglaterra). Basta fazer uma consulta popular para constatar que a vox populi manda grafar Yôga (Yoga)  com y.

Se tivéssemos que nos submeter à truculência do aportuguesamento compulsivo, deveríamos grafar assim o texto abaixo, de acordo com as normas atuais da nossa ortografia, palavras estas citadas pelo Prof. Luiz Antonio Sacconi, autor de vários livros sobre a nossa língua:

Declarar que a palavra ioga deve ser escrita com i por ter sido aportuguesada, está virando eslogã. Mas basta um flexe com uma amostragem de opinião pública para nos dar ideia do absurdo perpetrado. Podemos utilizar o nourrau de um frilâncer e entrar num trole para realizar a enquete. Perguntemos a um ripe, um panque, um estudante, um desportista e um empresário, como é que se escreve a palavra Yôga (Yoga) . Todos dirão que é com y . Isso não é um suipsteique. É muito mais um checape. Se, passado o râxi, você pedir uma píteça igual à que está no autedor, e ela vier sem muçarela e com excesso de quetechupe, não entre em estresse. A vida na jângal de uma megalópole tem que passar mesmo por um runimol de tensões. Por isso é que aconselhamos a prática de algum róbi, tal como jujutso, ioga ou mesmo a leitura de um bom livro cujo copirráite seja de autor confiável e o leiaute da capa sugira uma obra séria. Em último caso, ouvir um longuiplei em equipamento estéreo com uótes suficientes de saída. Se você não possuir tal equipamento, sempre poderá ir a um xópingue comprá-lo ou tentar um lísingue. Caso nada disso dê certo, console-se com um milque xeque e com a leitura de um livro brasileiro sobre o aportuguesamento de palavras estrangeiras. Garanto que você vai rir bastante e será um excelente márquetingue a favor da minha tese que reivindica a manutenção do y na palavra Yôga (Yoga) . (Texto composto seguindo rigorosamente o vocabulário corrigido de acordo com as normas de aportuguesamento vigentes em 1996.)

Se um tal texto não parece adequado, também não o é grafar Yôga (Yoga)  com i, nem colocá-lo no feminino (“a ioga“). Recordemos ainda a norma da língua: “os vocábulos estrangeiros devem ser pronunciados de acordo com seu idioma de origem”. Por isso watt virou uóte e não váte; e rush virou râxi e não rúxi. Demonstrado está que deve-se pronunciar o Yôga (Yoga)  com ô fechado, como na sua origem.

O Yôga (Yoga)  é termo masculino

Quanto ao aportuguesamento da palavra, isto é, passando a grafá-la com i e convertendo-a para o gênero feminino, não podemos ignorar a regra para o uso de estrangeirismos incorporados à nossa língua a qual manda preservar, sempre que possível, a pronúncia e o gênero do idioma de origem. Por exemplo: le chateau, resulta em português o chatô e não a xateáu, e la mousse resulta em português a musse, e não o musse.

Ao mudar o gênero, altera-se o sentido de muitas palavras que passam a significar coisas completamente diferentes. Por exemplo: a moral significa código de princípios e o moral refere-se a um estado de espírito, auto-estima, fibra; meu micro designa um equipamento e minha micro é um tipo de empresa. O mesmo ocorre com a capital e o capital; a papa e o Papa; etc. Portanto, aceitemos que no Brasil o Yôga (Yoga)  tem um significado diferente de “a yoga” ou, pior, “a ioga”.

Além do mais, declarar que Yôga (Yoga)  precisa ser feminino só por terminar com a, é uma desculpa esfarrapada, pois estamos cheios de exemplos de palavras masculinas de origem portuguesa ou incorporadas à nossa língua, e todas terminadas em a[2]. Duvida? Então lá vai:

o idiota, o canalha, o crápula, o pateta, o trouxa, o hipócrita, o careta, o facínora, o nazista, o fascista, o chauvinista, o sofisma, o anátema, o estigma, o tapa, o estratagema, o drama, o grama, o cisma, o crisma, o prisma, o tema, o trema, o samba, o bamba, o dilema, o sistema, o fonema, o esquema, o panorama, o clima, o puma, o profeta, o cosmopolita, o plasma, o mioma, o miasma, o fibroma, o diadema, o sósia, o soma, o telegrama, o telefonema, o cinema, o aroma, o altruísta, o homeopata, o sintoma, o careca, o carioca, o arataca, o capixaba, o caipira, o caiçara, o caipora, o coroa, o cara, o janota, o agiota, o planeta, o jornalista, o poeta, o ciclista, o judôca, o karatêca, o acrobata, o motorista, o atalaia, o sentinela, o pirata, o fantasma, o teorema, o problema… et cætera.

Para reforçar nosso argumento, invocamos o fato de que todos os cursos de formação de instrutores de Yôga (Yoga)  em todas as Universidades Federais, Estaduais e Católicas, onde ele vem sendo realizado desde a década de 70, a grafia adotada foi com y, o gênero foi o masculino e a pronúncia foi a universal, com ô fechado. Por recomendação da Confederação Nacional de Federações de Yôga (Yoga)  do Brasil, a partir de 1990 todos esses cursos passaram a adotar o acento circunflexo.

Adotamos o circunflexo pelo fato de o acento já existir na grafia original em alfabeto dêvanágarí.

No inglês não há acentos. Como foram os ingleses que primeiramente propuseram uma transliteração para o sânscrito, a prática de não acentuar essa língua universalizou-se. Tal limitação do idioma britânico não deve servir de pretexto para que continuemos em erro. Mesmo porque, na própria Inglaterra esse erro está começando a ser corrigido.

Sempre que no sânscrito o fonema for longo, já que no português dispomos de acentos para indicar o fenômeno fonético, devemos sinalizar isso, acentuando. Um excelente exemplo é o precedente do termo Judô. Em língua alguma ele tem acento. Nem mesmo em português de Portugal![3] Não obstante, no Brasil, tem. Assim, quando alguém quiser usar como argumento a suposição de que a palavra Yôga (Yoga)  não levaria acento em outras línguas, basta invocar o precedente da palavra Judô. Com a vantagem de que o dêvanágarí, ao contrário do japonês, é alfabeto fonético, logo, o acento é claramente indicado.

Esse acento é tão importante que mesmo em livros publicados em inglês e castelhano, línguas que não possuem o circunflexo, ele é usado na palavra Yôga (Yoga)  (vide Aphorisms of Yôga (Yoga) , de Srí Purôhit Swami, Editora Faber & Faber, de Londres; Léxico de Filosofía Hindú, de F. Kastberger, Editorial Kier, de Buenos Aires; a utilização do acento é ratificada pela Encyclopædia Britannica, no verbete Sanskrit language and literature, volume XIX, pag. 954, edição de 1954.).

Uma gravação ensinando a pronúncia correta

A fim de pôr termo na eterna discussão sobre a pronúncia correta dos vocábulos sânscritos, numa das viagens à Índia entrevistamos os Swámis Vibhodánanda e Turyánanda Saraswatí, em Rishikêsh, e o professor de sânscrito Dr. Muralitha, em Nova Delhi.

A entrevista com o Swámi Turyánanda foi muito interessante, uma vez que ele é natural de Goa, região da Índia que fala português e, assim, a conversação transcorreu de forma bem compreensível. E também pitoresca, pois Turyánandaji, além do sotaque característico e de ser bem idoso, misturava português, inglês, hindi e sânscrito em cada frase que pronunciava. Mesmo assim, não ficou confuso. É uma delícia ouvir o velhinho ficar indignado com a pronúncia “yóga”. Ao perguntar-lhe se isso estava certo, respondeu zangado:

– Yóga, não. Yóga não está certo. Yôga (Yoga) . Yôga (Yoga)  é que está certo.

Quanto ao Dr. Muralitha, este teve a gentileza de ensinar sob a forma de exercício fonético com repetição, todos os termos sânscritos constantes do glossário do nosso livro Tratado de Yôga (Yoga) . Confirmamos, então, que não se diz múdra e sim mudrá; não se diz kundalíni e sim kundaliní; não se diz AUM e sim ÔM, não se diz yóga e sim Yôga (Yoga) ; e muitas outras correções.

Recomendamos veementemente que o leitor escute e estude essa gravação. Se tratar-se de instrutor de Yôga (Yoga) , é aconselhável tê-la sempre à mão para documentar sua opinião e encurtar as discussões quando os indefectíveis sabichões quiserem impor seus disparates habituais.

 



[1] Com o novo acordo ortográfico, o y foi reintegrado à nossa língua. Quer apostar como vão conseguir uma desculpa para que o Yôga (Yoga)  continue desfigurado, escrito com i ?

[2] Algumas destas palavras podem ser usadas nos dois gêneros, pormenor que não invalida a força do exemplo.

[3] A falta do acento na palavra Judô (Judo) faz com que em Portugal seja pronunciada Júdo. Talvez devido a um fenômeno linguístico semelhante, alguns brasileiros pronunciem yóga, pela falta do circunflexo. No entanto, repetimos que o acento circunflexo não é utilizado para fechar a pronúncia e sim para indicar crase de vogais diferentes (a + u = ô).

segunda-feira, 30 de novembro de 2009 | Autor:

Introdução

O Acordo Ortográfico de 1986 era um bom acordo. Apesar de moderado, era um bom passo em frente no caminho da reunificação ortográfica com o Brasil. Mas sucumbiu à histeria ignorante e exibicionista de uns quantos e à cumplicidade doutros. Como consequência, fez-se este ano nova tentativa, bastante pior, e menos coerente. E o curioso é que já há quem, sem pudor, critique no Acordo de 1990 defeitos que resultaram das cedências às críticas de 1986. Receio mesmo que de novo se desencadeiem violentas reacções às ligeiríssimas modificações agora propostas, e, por isso, julgo que talvez valha a pena chamar a atenção para um certo número de factos. Pode ser que assim contribua para reduzir a emissão de disparates e para evitar que a discussão desça abaixo de níveis aceitáveis.

Primeiro facto. O objectivo do Acordo de 1986 não era modificar por modificar, mas apenas alterar o indispensável para conseguir a quase unificação da ortografia nos países de língua portuguesa. Se não houvesse pronunciadas diferenças entre as ortografias de Portugal e do Brasil, as reformas poderiam, então sim, considerar-se escusadas.

Segundo facto. Em questões de ortografia, é falso que Portugal tenha uma história de cedências ao Brasil. O contrário é que é verdadeiro.

Terceiro facto. Mexer na ortografia não é mexer na língua. Todas as palavras continuarão a ser pronunciadas (mal ou bem) como até aqui e a sintaxe continuará, sem mudança, sujeita aos mesmos pontapés de antes.

Quarto facto. Mudar a ortografia não implica mudar instantaneamente todos os livros de estudo, nem mesmo os dicionários. Essa mudança será gradual, feita ao longo de anos.

Quinto facto. A evolução da ortografia é sempre feita de cima, por especialistas, e, quase sempre, por decreto ou portaria.

Sexto facto. Tem havido, e continua a haver, reformas ortográficas em numerosos países, incluindo Portugal, algumas delas muito mais radicais que as tímidas propostas que agora nos fazem.

Sétimo facto. A demagogia, às vezes, é castigada. O que se segue ajudará a documentar estes factos.


História da ortografia em Portugal e no Brasil

A história da ortografia da língua portuguesa pode dividir-se em três períodos:

  • fonético, até ao século XVI;
  • pseudo-etimológico, desde o século XVI até 1911;
  • moderno, desde 1911 até hoje.

Quando a língua portuguesa começou a ser escrita, quem escrevia procurava representar foneticamente os sons da fala. Esta representação, no entanto, nunca foi satisfatória. Por um lado, não havia norma e, assim, por exemplo, o som /i/ podia ser representado por i, por y, e até por h (1); a nasalidade por m, por n, ou por til, etc. Por outro lado, a ortografia conservou-se em certos casos antiquada em relação à evolução da pronúncia das palavras, como em leer (ler) e teer (ter). Nos documentos mais antigos, de qualquer modo, o que se observa é a procura de uma grafia fonética. Com o decorrer do tempo, esta simplicidade foi desaparecendo por causa da influência do Latim. Assim, começaram a aparecer grafias como fecto (feito), regno (reino), fructo (fruito), etc. Realmente, uma das características do Renascimento foi a admiração pelos tempos clássicos e, em particular, pelo Latim. Isso consolidou, por assim dizer, e levou ao extremo a influência daquela língua na escrita do Português. Daqui resultou o aparecimento de inúmeras consoantes duplas, o aparecimento dos grupos phchthrh, que antes praticamente ninguém usava. Por outro lado, já nesse tempo, tal como hoje, a ignorância e o pretensiosismo se aliavam para produzir os maiores disparates, tais como, por exemplo, lythographiatypoialyrio, etc. (2)(3). É por esta razão que se chama pseudo-etimológico ao período em que esta tendência se impôs. Isto é, queria-se pretensiosamente fazer etimológica a ortografia, mas a ignorância não deixava ir além da pseudo-etimologia. Além disso, segundo J. J. Nunes (4), “por este processo [o da procura da grafia etimológica] recuavam-se bastantes séculos, fazendo ressurgir o que era remoto, e punha-se de lado a história do nosso idioma…”.

Deve-se dizer que cedo começou a haver reacções simplificativas. Por exemplo, Duarte Nunes de Leão, um dos primeiros gramáticos portugueses, reprova a pseudo-etimologia nascente em “Ortographia da lingoa portuguesa“, livro de 1576. Outro gramá- tico que se opôs a esta ortografia complicada foi Álvaro Ferreira de Vera, no seu livro “Ortographia ou arte para escrever certo na lingua portuguesa” (1633) (5). Também D. Francisco Manuel de Melo (século XVII) usou, pelo menos na sua obra “Segundas três musas do Melodino“, uma ortografia simplificada em que quase não havia consoantes dobradas, o ph era substituído por f, e o ch com som /k/ era substituído por qu (pharmacia -> farmaciaAchilles -> Aquiles(3).

No século seguinte, o XVIII, o célebre Luís António Verney apresentou também a sua proposta de ortografia simplificada e, mais do que isso, publicou nessa ortografia a sua grande obra “O verdadeiro método de estudar“.

O que é certo, porém, é que, na quase totalidade dos escritos, principalmente a partir da publicação em 1734 da “Ortographia ou arte de escrever e pronunciar com acerto a lingua portugueza” de João de Morais Madureyra Feyjó, se procurava a grafia mais complicada. Note-se, no entanto, que, apesar de tudo, o número de acentos era bastante restrito e empregue em casos e para fins algo diferentes dos actuais.

No princípio do século XIX, também Garrett defendia a simplificação ortográfica e criticava a ausência de norma. Nesse mesmo século proliferaram os pretendentes a reformadores da ortografia. Além de Garrett, pode-se mencionar, por exemplo, Castilho, como um dos mais conhecidos.

No decorrer do século XIX, começou a compreender-se a falta de justificação de muitas das grafias complicadas que então se usavam, mas, por outro lado, caiu-se no extremo de, mesmo aqueles sem quaisquer habilitações para tal, desatarem a simplificar disparatadamente. O resultado foi que, no fim do século XIX, a desordem ortográfica era total. Cada um escrevia como lhe parecia melhor.

Assim, em 1911, o Governo nomeou uma comissão para estabelecer a ortografia a usar nas publicações oficiais. Desta comissão fazia parte o insigne foneticista Gonçalves Viana, que já em 1907 apresentara um projecto de ortografia simplificada. O trabalho da comissão consistiu praticamente em adoptar o que propunha Gonçalves Viana e a nova ortografia foi oficializada por portaria de 1 de Setembro de 1911. Esta reforma da ortografia, a primeira oficial em Portugal, foi profunda e modificou completamente o aspecto da língua escrita, aproximando-o muito do actual. Foi, pode dizer-se, uma mudança verdadeiramente radical e feita sem qualquer acordo com o Brasil. Ao fazer desaparecer muitas consoantes dobradas, e os grupos phthrh, etc., a reforma, afinal, fazia desaparecer os exageros do período pseudo-etimológico e promovia um “regresso” ao período fonético. Por isso, é que, a propósito das muitas reacções adversas que houve na altura, escrevia J.J. Nunes (6), em 1918: “Pena é que a ortografia nova, que, em rigor, é velha, não seja compreendida por todos, ou antes, que se não queira ver a sua justeza, acabando-se de vez com os desconchavos que ainda perduram, quase sempre resultantes da ignorância…”. Como estas palavras continuam actuais !

O essencial da reforma ortográfica de 1911 foi acabar com o despotismo da etimologia, aproximando a ortografia oficial de uma escrita fonética. Aproximando, apenas, note-se, dado que, apesar de tudo, se fizeram vastas concessões a hábitos anteriores, como era o caso de manter inúmeras consoantes mudas, com um ou outro pretexto (homem, directo, sciência, etc.).

Um ponto em que a reforma foi incoerente e em que se afastou da tradição dos primeiros tempos do Português escrito foi a introdução profunda de acentos. Em particular, passaram a ser acentuadas todas as palavras esdrúxulas, o que não acontecia antes.

A seguir à reforma de 1911, houve vários ajustamentos efectuados por portarias de 19.11.1920, 23.09.1929, e 27.05.1931. A grande reforma seguinte foi a resultante do acordo ortográfico Portugal-Brasil de 1945, a qual, ligeiramente alterada por um decreto de 1971, deu origem à ortografia oficial que até agora se usou em Portugal. Note-se, de passagem, que o acordo de 1945 anulou algumas modificações introduzidas em 1911 e 1931.

Vejamos o que entretanto se passava no Brasil. No século XIX, a ortografia no Brasil estava no mesmo estado que em Portugal. Pode-se dizer que havia unidade… no caos.

Em 1907, a Academia Brasileira de Letras tivera em estudo um projecto de reforma análogo ao de Gonçalves Viana, que, como vimos, levou à reforma portuguesa de 1911. Neste projecto, embora baseado no do foneticista português, colaboraram vários brasileiros ilustres, como Euclides da Cunha, Rui Barbosa e outros (7). Isto mostra que, em ambos os países, há muito se sentia a necessidade de modificar a ortografia. O mesmo, aliás, se passava noutros países e tinham sido e viriam a ser feitas reformas em vários deles, como se verá mais à frente.

O projecto da Academia Brasileira de Letras de 1907 acabou por não ir por diante e, por outro lado, Portugal cometeu o absurdo erro de avançar sozinho para a reforma. Assim, e apesar de a reforma portuguesa ser defendida sem alterações, para uso no Brasil, por filólogos brasileiros do calibre de Antenor Nascentes e Mário Barreto, o certo é que, durante alguns anos, ficaram os dois países com ortografias completamente diferentes: Portugal com uma ortografia moderna, o Brasil com a velha ortografia pseudo-etimológica.

Foi em 1924 que as duas Academias, a Brasileira de Letras e a das Ciências de Portugal, resolveram procurar uma ortografia comum. Claro que, para isso, o Brasil teria que se aproximar de Portugal, que, na altura, caminhava na frente. Houve em 1931 um acordo preliminar entre as duas Academias, em que se adoptava praticamente a ortografia portuguesa. Assim se iniciou o processo de convergência das ortografias dos dois países com um reconhecimento quase total, por parte do Brasil, da superioridade da ortografia portuguesa. Contudo, os vocabulários que se publicaram, em 1940 (Academia das Ciências de Portugal) e 1943 (Academia Brasileira de Letras), continham ainda algumas divergências. Por isso, houve, ainda em 1943, em Lisboa, uma Convenção Ortográfica, que deu origem ao Acordo Ortográfico de 1945. Este acordo tornou-se lei em Portugal pelo Decreto 35 228 de 08.12.45, mas no Brasil não foi ratificado pelo Congresso; e, por isso, os Brasileiros continuaram a regular-se pela ortografia do Vocabulário de 1943.

Em 1971, novo acordo entre Portugal e o Brasil aproximou um pouco mais a ortografia do Brasil da de Portugal. Tratou-se de cedência brasileira, mais uma vez. O acordo teve a sorte de ser oficializado sem burburinho. Note-se aqui que, do ponto de vista absoluto, ambas as grafias eram nesta altura perfeitamente razoáveis e sua única desvantagem era apresentarem ainda algumas diferenças. Não fosse isso, seria, de facto, inútil “mexer” mais.

Em 1973, recomeçaram as negociações e, em 1975, as duas Academias mais uma vez chegaram a acordo, o qual “não foi contudo transformado em lei, pois circunstâncias adversas de vária ordem não permitiram uma consideração pública da matéria” (8).

Em 1986, o Presidente José Sarney tentou resolver o assunto, que há longo tempo se arrastava, e promoveu o encontro dos sete países de língua portuguesa no Rio de Janeiro. Deste encontro, mais uma vez saíu um acordo ortográfico e mais uma vez o acordo não foi por diante, devido a um surpreendente alarido que se levantou em Portugal. Este alarido, longe de ser resultado de defeitos do acordo, deveu-se sobretudo a uma confrangedora ignorância do assunto por parte dos pouco ponderados adversários da união ortográfica. Mas a verdade é que o acordo foi suspenso.

O pior é que se concluiu este ano novo acordo, dito “mais moderado”, mas na verdade mais incoerente, e exposto, este sim, a críticas com fundamento. Os responsáveis portugueses pelo Acordo de 1986, que garantia uma unificação quase total da ortografia da língua, cederam aos auto-proclamados donos da Cultura Nacional e, agora, em 1990, produziram um acordo imperfeito, que não unifica, cheio de grafias duplas, defeitos estes que são deslealmente aproveitados pelos detractores que os causaram. É o castigo da demagogia. Enfim, se encarado como transitório, como mais uma pequena dose de mudança sem dor para não assarapantar o profanum vulgum, este acordozito é um passo na direcção certa. Para mim, no entanto, o método correcto seria fazer a unificação total de uma só vez e liquidar definitivamente o problema.


Reformas e acordos ortográficos noutras línguas

Contra o que tem sido afirmado, não têm faltado reformas ortográficas na historia das principais línguas civilizadas. Percorramos algumas dessas línguas.

Espanhol. “A ortografia do Espanhol medieval é uma descrição fidedigna da língua, tal como ela era falada nos círculos culturais de Toledo por volta de 1275. Essa representação gráfica começou a ser defeituosa pelos fins do século XV…[O gramático] Nebrija [séculos XV e XVI] reafirmou o princípio fonético de que a língua se deve escrever como se pronuncia. Por esta época, os humanistas tinham começado a insistir na etimologia… Nos séculos XVI e XVII, tendo-se produzido mudanças consideráveis de pronúncia, a ortografia espanhola apresentava diversas anomalias, o que levou a Academia da Lingua a começar a adoptar um controle oficial da língua no século XVIII” (10). Sucessivas reformas, a última das quais em 1815, acabaram por conduzir à ortografia actual, que é praticamente fonética. Os países de língua espanhola usam, de um modo geral, a mesma ortografia, mas a união ortográfica está longe de se poder considerar definitivamente resolvida. Tem havido acordos, princi- palmente com a Argentina, que participa activamente nas discussões, e o Chile, que de 1822 até 1938 já apresentou 18 propostas de reforma ortográfica. Por seu lado, a Espanha, preocupada com a manutenção da unidade da língua espanhola no mundo, vai retardando as decisões. Em vários casos, a Espanha tem aceitado propostas de uma das suas antigas colónias, como foi o caso em 1952, em que certas tolerâncias propostas pela Argentina foram adoptadas pela Espanha e outros países de língua espanhola (11).

Italiano. O italiano moderno (e a correspondente ortografia) são obra, algo artificial, por assim dizer, de Alessandro Manzoni (1785-1873), que escreveu, na forma que recomendava e que vingou, o célebre romance I promessi sposi, considerado uma das mais notáveis obras da literatura italiana. Com a língua italiana praticamente concentrada num só país, não há necessidade de acordos internacionais.

Alemão. A escrita actual, baseada em Lutero, com a sua célebre tradução da Bíblia, em Freyer (1722) e Adelung (1788), é o resultado de acordos oficiais de 1876, 1901, 1920, 1954, etc., entre os países de língua alemã. Apesar destes acordos, também nada ainda é definitivo. As reuniões internacionais têm continuado: 1958 (Wiesbaden Empfehlungen), 1973 (Wiener Empfehlungen), 1978, 1980. Na última reunião internacional de que tenho conhecimento, em 1986, em Viena, participaram a Bélgica, a RFA, o Tirol italiano, o Liechtenstein, a Áustria, a Suíça, a RDA, o Luxemburgo e a Alsácia. As discussões têm sido agitadas e ainda não se alcançou a estabilidade. Como exemplo de pontos em discussão, anotem-se as numerosas e complicadas regras do uso da vírgula, as maiúsculas dos substantivos, a eliminação de consoantes mudas e de vogais duplas, etc. Ficou prevista para este ano nova reunião. [Nota em 1996: Em Julho de 1996, firmou-se em Viena um acordo entre os países de língua alemã sobre as novas regras de ortografia, as quais devem entrar em vigor em 1 de Agosto de 1998. Consultar página de actualização sobre ortografia alemã].

Holandês. Na Holanda, por volta de 1900, a ortografia sofreu uma reforma radical, mexendo mesmo com a própria gramática. Até nomes de localidades foram revistos. As discussões sobre ortografia, que, tal como entre nós, têm por vezes sido acaloradas, nunca pararam. Os Flamengos, da Bélgica, cuja língua é o Holandês, adoptaram a ortografia da Holanda, mas as reuniões e as propostas de reforma ainda não terminaram.

Russo. A Academia das Ciências Russa preparou em 1912 um projecto de reforma da ortografia que acabou por ser adoptado em 1917, a seguir à revolução. Esta reforma envolveu simplificações profundas, tendo sido eliminadas várias letras do alfabeto. Desde 1939, ano em que foi nomeada uma comissão de linguistas para o estudo de certos problemas da língua, que são regularmente actualizados os prontuários ortográficos. Felizmente, tal como para o Italiano, não há problemas internacionais.

Turco. O caso mais espantoso de reforma ortográfica parece ser o da Turquia. Aí, o presidente Mustafá Kemal Atatürk, em 1928, aboliu pura e simplesmente o alfabeto até então usado, o árabe, e substituiu-o pelo latino. Todas as pessoas, apesar dos protestos dos reaccionários, tiveram que reaprender a ler. Esta cataclísmica reforma ortográfica vingou e, para as novas gerações, o alfabeto árabe é tão estranho como para a população europeia em geral.

Chinês. Depois da última guerra, o Governo da China Popular simplificou um grande número dos caracteres que se usam para escrever as línguas da China, no que não foi seguido, nem pelas autoridades da Formosa, nem pela maioria das comunidades de chineses do estrangeiro. Assim, mantêm-se até hoje nas duas regiões diferenças ortográficas significativas. O próprio nome do país se escreve de modo diferente nas duas ortografias.

Japonês. Os caracteres chineses simplificados foram também adoptados no Japão, a partir de 1947 (12).

Grego. Em 1986, o Grego libertou-se finalmente do pesado sistema de acentos que por desgraça lhe caíra em cima nos tempos da civilização helenística. Uma pesada herança de Aristófanes de Bizâncio, bibliotecário de Alexandria e filólogo do século II AC.

Francês. A ortografia do Francês tem variado ao longo dos séculos, quase sempre por saltos bruscos. No século XVI, a escola de Ronsard levou a grande maioria dos escritores a adoptar uma ortografia reformada, despojada das numerosas letras mudas inúteis. Foi nesse século, no entanto, que Francisco I decretou a célebre regra da concordância do particípio, por imitação do Italiano (regra, aliás, cuja eliminação está na mira dos reformadores actuais). A primeira edição do dicionário da Academia, no século XVII, sob a influência de Corneille, introduziu novas reformas. No século seguinte, a edição de 1740 do mesmo dicionário dava ortografia nova a nada menos de 2000 palavras das 3000 que o compunham. A ortografia actual do Francês fixou-se na forma actual por volta de 1830. A norma foi fixada na 6ª edição do Dicionário da Academia, de 1836. Desde o princípio deste século, porém, já em três ocasiões se iniciaram movimentos de reformas ortográficas: em 1901, em 1965 e em 1988. Em 1901, a reforma foi patrocinada por escritores como Anatole France, Georges Leygues e Ferdinand Brunot e teve um apoio de tal forma amplo que o Ministério da Instrução chegou a publicar uma portaria com as mudanças propostas. No entanto, esta portaria acabou por não ser aplicada, devido à campanha contra a reforma feita pela imprensa. Em 1965, uma comissão presidida por M. Beslais, ex-Director do Ensino Primário, apresentou um relatório com nova proposta de reforma. Nela, defendiam-se transformações do tipo

    théatre -> téatre

    pharmacie -> farmacie

    etc.

Este relatório não teve seguimento, embora em 1975 uma nova portaria determinasse mudanças ortográficas menos ambiciosas. Esta portaria teve a sorte da do princípio do século, isto é, o total esquecimento. Apesar de aparentemente continuarem em vigor, ninguém as cumpre. O debate recomeçou em fins de 1988, desencadeado por uma sondagem na revista do Sindicato Nacional dos Professores e foi animado por numerosas tomadas de posição e publicação de artigos e livros. Dentre as tomadas de posição mais relevantes note-se a do chamado Manifesto dos dez linguistas, publicado em “Le Monde” de 07/02/1989, que defendia a necessidade de uma reforma, e a publicação em fins de 1989 de três livros sobre o assunto (“Le livre de l’orthographe“, de Bernard Pivot,Les délires de l’orthographe“, de Nina Catach, e “Que vive l’ortografe!”, de Jacques Leconte e Philippe Cibois). O assunto foi pelo Governo julgado suficientemente importante para justificar a nomeação, por decreto de 02.06.89, do Conseil supérieur de la langue française (CSLF), com o objectivo de “rectificar” a ortografia. Em fins de 1989, o Governo encarregou o CLSF de se pronunciar sobre um certo número de pontos concretos. Ao fim de uma dezena de reuniões, conseguiu-se um acordo, de que participaram a Bélgica, a Suíça e o Canadá, acordo que foi aprovado pela Academia Francesa. Em 19.06.90, foi apresentado o relatório do CSLF, a que se seguiram ainda negociações informais entre a Academia e os serviços do Primeiro Ministro. Finalmente, em Outubro passado, o CSLF recebeu e aprovou a versão definitiva da reforma. Pretende-se que seja publicada oficialmente ainda antes do Natal e que entre em vigor nas escolas a partir do Outono de 1991, embora haja a intenção de tolerar a antiga ortografia por mais alguns anos. Tudo leva a crer que, desta vez, a reforma terá destino diferente das que a antecederam neste século.


O que deve ser a ortografia ideal ?

Há a ideia generalizada de que uma ortografia é tanto mais perfeita quanto mais fonética for. Ora isto só é verdade até certo ponto. A ortografia fonética (*) tem vantagens e inconvenientes e, para cada língua, é preciso fazer a ponderação dessas vantagens e inconvenientes.

Se se trata de uma língua restrita a poucos falantes e a uma região relativamente pequena e com boas comunicações, essa língua terá poucas variantes (ou marcas tópicas, como se diz). Será falada de igual modo por todos. Então, a escrita fonética é o que mais convém, porque é lógica e permite, mais do que qualquer outra, ler e escrever sem erros, mesmo aos menos cultos e aos estrangeiros.

Se, porém, se trata de uma língua mundial como o Português, com um grande número de falantes e abrangendo enormes territórios com algumas dificuldades de contactos, já o caso muda de figura. De facto, então, há certamente variantes na linguagem falada, há inúmeros sotaques regionais, há, enfim, as chamadas marcas tópicas. E, neste caso, se se vai para a escrita fonética, que variante, que sotaque, se há-de representar? É que, uma vez escolhida essa variante, a escrita será fonética para ela, mas não o será para as outras.

Assim, no caso do Português, para escrever foneticamente, por exemplo, o número 20, poderiam eventualmente usar-se as escritas bintvintvintchi, conforme fosse escolhida a pronúncia do Minho, de Lisboa, ou do Rio. Isto mostra que, para uma grande língua, a escrita totalmente fonética é inviável.

Deve-se, então, ir para uma escrita ideográfica, como a chinesa, ou como a que usa algarismos? No caso dos números, realmente, a escrita com algarismos é totalmente ideográfica. 20 é entendido por todos os falantes de Português (e de outras línguas), lendo cada um a palavra correspondente com a sua pronúncia própria. Esta é uma vantagem da escrita ideográfica; ela é “supratópica”. Usar tal escrita para a linguagem corrente, porém, tem enormes desvantagens, visto que é colossal o número de símbolos necessários (caso do Chinês).

Por isso, o que há a fazer, para uma língua como o Português, é usar um meio termo. Devem representar-se as palavras de um modo, não completamente fonético, mas aproximadamente fonético. Cada palavra terá, então, além das suas componentes fonéticas (letras e grupos de letras), que correspondem a sons que podem ser diferentes de região para região, uma individualidade visual, um aspecto, próprios, que terão de ser reconhecidos por todos. Isso não impedirá que cada palavra escrita, reconhecida imediatamente por todos os falantes da língua (os não analfabetos, evidentemente), seja pronunciada de modo diferente em cada região.

Aceites estes princípios, compreende-se que, em face das grafias do género de Antônio (Brasil) e António (Portugal), os negociadores do Acordo Ortográfico de 1986 se tivessem decidido pela grafia unificadora Antonio, como, aliás, se escrevia antes de 1911. Mas não adiantou. As emoções boçais levaram a melhor.

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(*) Por ortografia fonética entende-se uma ortografia em que a cada som corresponda uma letra ou grupo de letras únicos e a cada letra ou grupo de letras um som único, e, ainda, em que, pelo menos no caso das línguas indo-europeias, seja assinalada de algum modo a sílaba tónica.

O presente texto encontra-se no link http://www.dha.lnec.pt/npe/portugues/paginas_pessoais/MMC/Ortograf.html

sexta-feira, 10 de abril de 2009 | Autor:

Fernanda, DeRose, Rosana, Nina, Vivi, Gabs, Flávio, Gisele, De Nardi, André (o honesto!), Heloiza, Borges e mais uma porção de gente boa, fomos todos participar de um curso de gramática e Novo Acordo Ortográfico, das 9 às 19 horas. Este curso precede o outro que será de redação.

Fiquei bem orgulhoso pelo interesse da galera em aprender a escrever e a falar melhor. Se até eu, escritor calejado, fui fazer o curso, todos deveriam se interessar e buscar seu aprimoramento no uso da norma culta da nossa língua. Era um domingo, mas ninguém quis saber de “dia-de-descanso”, coisa de quem não pretende ser vencedor. Qual dia de descanso qual nada! No dia anterior eles já haviam participado de um curso de filosofia comigo na Sede Central. Mas ninguém fez corpo mole. Domingo estavam todos lá. 

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