terça-feira, 19 de junho de 2012 | Autor:

A caverna de Altamira

No final do século XIX um arqueólogo, Marcellino de Sautuola, estava pesquisando o solo de uma caverna na Espanha que continha traços de fogueiras e ossos de animais usados na alimentação dos homens pré-históricos. Nessa ocasião não prestou atenção senão ao solo, de onde retirava restos de ossos. Os arqueólogos sempre olhavam para o chão, era o seu paradigma.

Um dia, no verão de 1879, levou consigo sua filha Maria, de 12 anos de idade. Foi ela quem primeiramente observou as pinturas numa parede da caverna. As crianças estão habituadas a olhar para cima, pois o mundo que as cerca é um universo de adultos, em que as coisas são mais altas do que elas. Assim, ela olhou, não para o chão, mas para as paredes da caverna. Viu algo interessante e chamou o pai, mas este estava muito ocupado para dar atenção aos devaneios de uma criança. Ela insistiu e ele admoestou-a. Afinal, ele estava trabalhando. Estava encontrando fragmentos de carvão muito interessantes…

Até que, em dado momento, devido à insistência da pequena, ele acedeu e olhou para cima. Diante deles, enormes obras de arte rupestre fizeram o coração de Marcellino bater mais forte. Havia pinturas executadas com uma magnífica policromia em tons de vermelho, negro e violeta, a maioria medindo cerca de 9×18 metros. Lindos bisontes, cavalos e outros animais lindamente pintados em cores, perfeitamente preservados após todos aqueles milhares de anos! Nunca antes tais pinturas haviam sido encontradas. Que descoberta revolucionária sobre a natureza dos homens das cavernas!

Era mesmo uma descoberta notável, que iria contribuir enormemente com a arqueologia. Ao invés de olhar para o chão e revirar lixo paleolítico, os cientistas olhariam para cima e estudariam arte! Conceitos sobre a rudeza e sobre os limites do cérebro dos trogloditas seriam revistos. Seu nome ficaria para sempre famoso e reverenciado. Os livros escolares mencionariam sua descoberta. Ele apressou-se a reproduzir em papel os desenhos encontrados e comunicou a Academia de Ciências.

Colegas cientistas nem sequer visitaram a caverna de Altamira, onde foram descobertas as primeiras pinturas rupestres da história. Apenas analisaram cuidadosamente a reprodução das pinturas no livro de Sautuola e emitiram suas doutas opiniões: o descobridor era um charlatão. Homens das cavernas não seriam capazes de pintar tão belos animais e com técnicas de tal forma sofisticadas. Mesmo que o fizessem, as pinturas não durariam tantos milhares de anos desprotegidas, dentro de cavernas úmidas. Veredictum: o arqueólogo teria pintado, ele mesmo, as paredes de pedra para fazer-se passar por um grande descobridor e ficar célebre.

Como retribuição por ter feito uma das mais importantes descobertas arqueológicas, Sautuola foi acusado de haver forjado as pinturas dentro da caverna! Como sempre ocorre nesses casos, havia um perseguidor-mor que orquestrou a difamação e conseguiu que ele fosse expulso da Academia. Acusado de fraude numa campanha impiedosa movida contra ele pelo idoso pré-historiador francês Éduard Cartailhac, Sautuola foi expulso de todos os círculos científicos. Ninguém lhe concedeu direito de defesa e seu nome passou a ser sinônimo de charlatanismo. Tornou-se impiedosamente perseguido, injuriado como um vigarista. Seu nome foi enlameado pela imprensa. Nos anos que se seguiram, não podia nem mesmo sair à rua, pois era agredido verbalmente pelos transeuntes.

Certa vez, ao sair para tomar um pouco de sol, um desconhecido cuspiu-lhe na cara, gritando: “Impostor!” para que os circunstantes escutassem. Todos os demais cientistas, a imprensa e a opinião pública passaram a difamar e humilhar tanto o pobre homem que pouco depois, em 1888, Sautuola morreu de desgosto.

Decorridos alguns anos, entre 1895 e 1901, outros arqueólogos encontraram pinturas semelhantes em cavernas na França e em toda a Europa. Não havia outra saída para o ilustre cientista que difamara o pobre descobridor das pinturas rupestres, senão confessar que errara e apresentar suas desculpas póstumas à filha do arqueólogo injustiçado, agora adulta. Maria, com toda a razão, não aceitou as desculpas e acusou Cartailhac publicamente de ser o responsável pela humilhação e pela morte do pai. Nenhum pedido de desculpas compensaria a amargura dos ultrajes sofridos ou a própria morte. Como diz a máxima: “A verdade sempre resplandece no final, quando todos já foram embora.”

Se você conhecer outros casos semelhantes, por favor, informe-nos. Obrigado.

 

 

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