sexta-feira, 19 de outubro de 2012 | Autor:

Que confusão!

 

A confusão gerada pelos livros

Para o leitor iniciante no tema, muitos livros mais fazem confusão do que esclarecem. Esperemos que este não contribua para piorar a babel, mas, ao contrário, possa desfazer essa barafunda.

O motivo dos livros em geral embaraçarem a compreensão é que a maior parte foi escrita por leigos e o panorama não está claro nem para eles próprios que os escreveram. Ao tentar explicar, confundem. Há uma parcela de autores que conhecem o assunto, no entanto, esses pecam por achar que todo o mundo tem algum conhecimento e falam indiscriminadamente de Vêdas, Puránas, Upanishads, Bhagavad Gítá, Yôga Sútra, Mahá Bhárata, com bastante intimidade, atabalhoando tudo, sem esclarecer o que é cada um desses textos e onde se localiza em relação aos demais. O presente capítulo vai organizar essa miscelânea.

 

A confusão gerada pela desinformação

No Ocidente, quando falamos de Yôga, sempre surge alguém com alguma pergunta ou declaração que o associe ao Budismo. Ora, para começar, Budismo é uma religião e o Yôga é filosofia. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Para piorar a gafe, na Índia, menos de 1% da população é budista. Finalmente, para desespero de quem faz esse tipo de embrulhada, o Yôga faz parte do Hinduísmo[1], enquanto o Budismo é tecnicamente uma heresia[2] do Hinduísmo!

No entanto, o leitor poderá argumentar que encontrou várias referências em livros, que estabeleciam associações entre Yôga e Budismo. De fato, isso existe. Na maior parte das vezes ocorre pelas razões expostas nos primeiros parágrafos deste capítulo. Ademais, o Hinduísmo é tão antigo, tão vasto e tão multifacetado que poderemos, eventualmente, encontrar situações insólitas e contraditórias. Registre-se, porém, que isso não é a regra: é a exceção.

Existe um Yôga Budista? Sabendo-se que Budismo é uma religião, falar de um Yôga Budista é o mesmo que mencionar um Yôga Católico, um Yôga Islâmico, um Yôga Judaico. Seria algo como afirmar a existência de um Golfe Católico, um Futebol Luterano, um Vôlei Adventista, diferentes dos seus homônimos praticados por outras religiões. Não que o Yôga seja esporte. Poderíamos fazer a mesma comparação com outras áreas. Imagine se seria possível uma Informática Judaica, uma Física Nuclear Evangélica ou uma Engenharia Umbandista, diferentes da Informática, da Física Nuclear ou da Engenharia praticadas por outras religiões!

Contudo, às vezes encontra-se no Ocidente propaganda oferecendo “Yôga Cristão” como se isso fosse alguma especialidade. O que o prestador de serviços quer dizer, nesse caso, é que os cristãos podem praticar suas aulas sem nenhum conflito com a religião, o que, afinal, é verdade. Mas Yôga Cristão não é um ramo de Yôga.

A confusão gerada pelo mercado

Tão incoerente quanto barafundar o Yôga com religiões é misturá-lo com nacionalidades. É comum encontrarmos oferta de Yôga Tibetano, Yôga Egípcio, Yôga Israelense. Ora, Tibet, Egito, Israel são países. “Yôga Tibetano” faz tanto sentido quanto “Yôga Brasileiro”, “Yôga Argentino”, “Yôga Português”. Se existe Yôga no Tibet ele tem que ser identificado pelo seu nome verdadeiro: Rája Yôga, Hatha Yôga, Karma Yôga, Bhakti Yôga etc.

Também ouve-se falar de Yôga Desportivo, Yôga Artístico, Yôga Fitness, Power Yôga e por aí vai. Trata-se de táticas modernas para tentar atingir o consumidor onde ele é mais vulnerável: no apelo da novidade. Yôga Desportivo será Hatha Yôga? Yôga Artístico não será Hatha Yôga também? Power Yôga e Yôga Fitness não serão igualmente Hatha Yôga? Mas, na opinião daqueles, Hatha Yôga está gasto, ultrapassado, démodé. Ninguém mais quer praticar Hatha Yôga no Ocidente. Então, nada melhor que tentar outra denominação.

 

 

 

 

A estrutura do Hinduísmo

 

Vamos localizar o fio da meada

Para desfazer o imbróglio, vamos estudar a estrutura do Hinduísmo. Talvez assim compreendamos que ao expressar nossos pontos de vista, estaremos sendo ortodoxos, sim, mas intolerantes jamais.

Primeiramente, para facilitar a compreensão, vamos dividir o estudo do Hinduísmo em dois grupos de Escrituras: Shruti e Smriti.

 

I. Shruti

Shruti é a parte mais antiga, cujas raízes localizam-se há mais de mil anos antes da nossa Era.

Shruti significa “aquilo que é ouvido”. Pode estar se referindo à tradição oral, em que o ensinamento era transmitido de boca a ouvido, ou então ao fato de que essas Escrituras foram recebidas através de revelação, por meio da qual os rishis “ouviram” os textos.

O Shruti é formado pelos quatro Vêdas – Rig Vêda, Sama Vêda, Yajur Vêda e Atharva Vêda. Os Vêdas, por sua vez, compõem-se das divisões denominadas Mantras[3], Brahmanas, Aranyakas e Upanishads. Destas, as Upanishads são as que mais nos interessam por apresentarem as mais arcaicas referências hindus sobre o Yôga.

Upanishadas

Upanishada ou Upanishad significa literalmente sentar-se junto, mas normalmente é traduzido como comentário. É que as Upanishads são os comentários dos Vêdas e, por isso, estão situadas no final deles[4].

As Upanishads servem para fundamentar filosofias como o Vêdánta e o Yôga. Há Upanishads especializadas em diferentes temas, como filosofia, medicina, religião, astronomia etc. Em seu livro Yôgakundaliní Upanishad, Sivánanda declara que existem 108 Upanishads. Em uma das minhas viagens à Índia, encontrei nos Himálayas uma cópia antiga da Rudráksha Upanishad, que explana sobre a semente de Rudráksha (Lágrima de Shiva), à qual atribuem-se propriedades medicinais. Interessamo-nos especialmente pelas, assim chamadas, Yôga Upanishads: Maitrí Up., Yôgatattwa Up., Yôgashára Up., Yôgakundaliní Up., Dhyánabindu Up., Nádabindu Up., Kshurika Up, Kathaka Up. etc., pois tratam do Yôga.

Upanishads (comentários) dos respectivos Vêdas

 

Rig Vêda (10 Upanishads)

Principal Upanishad:

Aitarêya.

Vêdánta Upanishads: 

Atmabôdha, Kaushítakí, Mugdala.

Samnyása Upanishads:

Nirvána.

Yôga Upanishad:

Nádabindu.

Vaishnava Upanishads:

Não há.

Shaiva Upanishads: 

Akshamálá.

Shakta Upanishads:

Tripurá, Bahvrichá, Saubhágyalakshmí.

 

Yajur Vêda (51 Upanishads)

Principais Upanishads:

Katha, Taittiríya, Ísávásya, Brhadáranyaka.

Vêdánta Upanishads:

Akshi, Êkáshara, Garbha, Pránágnihôtra, Swêtásvatara, Sháriraka, Sukarahasya, Skanda, Sarvasára, Adhyátma, Nirálamba, Paingala, Mántrika, Muktika, Subála.

Samnyása Upanishads:

Avádhúta, Katharudra, Brahma, Jábála, Turíyátíta, Paramhamsa, Bhikshuka, Yájnavalkya, Sátyáyaní.

Yôga Upanishad:

Amrtanáda, Amrtabindu, Kshurika, Tejôbindu, Dhyánabindu, Brahmavidyá, Yôgakundaliní, Yôgatattwa, Yôgashikhá, Varáha, Advayatáraka, Trishikhibráhmana, Mandalabráhmana, Hamsa.

Vaishnava Upanishads:

Kalishántarana, Náráyana, Tárasára.

Shaiva Upanishads:

Kálágnirudra, Kaivalya, Dakshinámúrti, Panchabrahma, Rudrahrdaya.

Shakta Upanishads:

Saraswatírahasya.

 

Sáma Vêda (16 Upanishads)

Principais Upanishads:

Kêna, Chándôgya.

Vêdánta Upanishads:

Mahat, Maitráyaní, Vajrasúchí, Sávitrí.

Samnyása Upanishads:

Árunêya, Kundika, Maitrêyí, Samnyása.

Yôga Upanishad:

Jábáladarshana, Yôgachúdámani.

Vaishnava Upanishads:

Avyakta, Vásudêva.

Shaiva Upanishads:

Jábálí, Rudrákshajábála.

Shakta Upanishads:

Não há.

 

Atharva Vêda (31 Upanishads)

Principais Upanishads:

Prasna, Mándúkya, Mundaka.

Vêdánta Upanishads: 

Átmá, Súrya.

Samnyása Upanishads:

Náradaparivrájaka, Parabrahma, Paramhamsaparivrájaka.

Yôga Upanishad:

Páshupatabrahma, Mahávákya, Sándilya.

Vaishnava Upanishads:

Krishna, Gáruda, Gopálatápaní, Tripádvibhútimahánáráyana, Dattátrêya, Nrsimhatápaní, Rámatápaní, Rámarahasya, Hayagríva.

Shaiva Upanishads: 

Atharvashikhá, Athavashira, Ganapati, Brhajjábála, Bhasmajábála, Sarabha.

Shakta Upanishads:

Annapúrna, Tripurátápaní, Dêví, Bhávaná, Sítá.

 


Total por tipo de Upanishad

Principais Upanishads:

 10

Vêdánta Upanishads: 

 24

Samnyása Upanishads:

 17

Yôga Upanishad:

 20

Vaishnava Upanishads:

 14

Shaiva Upanishads: 

 14

Shakta Upanishads:

    9

Total:

108

 

II. Smriti

Smriti é divisão mais nova. A maior parte dos textos deste grupo tem pouco mais de 2000 anos. Smriti significa memória, referindo-se provavelmente às recordações posteriores daquilo que o Shruti ensinara no passado remoto. Fazem parte do Smriti as divisões: Smriti, Itihasas, Puránas, Ágamas e Darshanas.

a) Itihasas

Os Itihasas são os épicos Mahá Bhárata (Grande Índia) e Rámáyana (o Caminho de Ráma ou a Vida de Ráma). Onde fica o Bhagavad Gítá? Ele é um capítulo do Mahá Bhárata. O Mahá Bhárata é a descrição de uma guerra. O Bhagavad Gítá (a Canção do Sublime) é a descrição de uma batalha daquela guerra. Relata fatos reais redigidos de forma poética, com ensinamentos filosóficos e éticos.

b) Puránas

Purána significa antigo, antiguidade. São textos mais acessíveis que permitem ao indiano médio compreender os ensinamentos antigos sob uma redação mais simples. Contêm muitos contos, fábulas e outras formas populares para transmissão do conhecimento. Estes são alguns Puránas:

Shiva Purána, Vishnú Purána, Brahma Purána, Brahmanda Purána, Skanda Purána, Linga Purána, Agni Purána, Naradiya Purána, Padma Purána, Gáruda Purána, Varaha Purána, Bhagavata Purána, Brahmavaivarta Purána, Markandêya Purána, Bhavishyat Purána, Vamana Purána, Kúrma Purána, Matysa Purána etc.

c) Ágamas

Os Ágamas são manuais do culto vêdico, textos que ensinam ao devoto como oficiar o culto pessoal e doméstico às suas divindades eleitas. Podemos também entender os Ágamas como tendências devocionais.

Certa vez, estávamos diante do Gandhi Memorial, em Delhi, e um distinto senhor, muito solícito como em geral os indianos são, explicou-nos que, segundo alguns estudiosos, contam-se 330 milhões de deuses no Hinduísmo. Ainda que esse número seja bastante exagerado, não teríamos espaço nem justificativa para descrever aqui centenas de tendências devocionais. Portanto, vamos ater-nos às três principais, aquelas que abarcam a maciça maioria da população. São elas:

1- Shaiva (Shivaísmo)

Consta que Shiva foi um bailarino que viveu na civilização Harappiana ou Dravídica. Atribui-se a Shiva a criação do Yôga. Shiva tem mais de mil nomes e aspectos. Natarája é o Shiva bailarino. Shankar é o Shiva saddhu, meditante. Rudra é o Shiva irado. Pashupati é o Shiva senhor dos animais. Representa o Aspecto Renovador do Absoluto. Talvez por isso seja o patrono do Yôga, arte de renovação biológica e mental por excelência.

2- Vaishna (Vishnuísmo)

Vishnú é o Aspecto Conservador do Absoluto. É o equivalente ao Espírito Santo do Cristianismo. Vishnú se manifesta no mundo através de seus Avatares, que são as encarnações divinas. O Hinduísmo é tão tolerante que reconhece Buddha como um Avatar de Vishnú, apesar de Siddharta ter renegado o Hinduísmo! Krishna foi outra dessas encarnações. O Krishnaísmo constitui uma seita do Vishnuísmo. Assim, os Harê Krishnas pertencem a este Ágama.

3- Shakta (Shaktismo)

Shaktismo é o herdeiro do Tantrismo. Digamos que seja uma interpretação tântrica do Hinduísmo, ou uma forma aceita pela sociedade ariana (hindu) de praticar os preceitos tântricos. Shakta é o adorador da Shaktí. Shaktí significa energia e designa a mulher que, além de ser parceira, é cultuada como deusa viva.

Notemos que das três tendências devocionais mais expressivas da Índia (Shaiva, Vaishna e Shakta), duas delas (Shaiva e Shakta) estão alicerçadas na cultura pré-ariana, pré-vêdica.

d) Darshanas

Darshana significa ponto de vista. O Hinduísmo compreende seis darshanas, ou seja, seis pontos de vista segundo os quais ele pode ser professado. Independentemente das religiões e seitas, o Hinduísmo possui uma profusão de filosofias. Estas seis detêm o status do reconhecimento formal e acadêmico. Agrupam-se duas a duas, em função de suas afinidades.

Primeiro par:

1-Yôga

2- Sámkhya;

Segundo par:

3- Vêdánta

4- Purva Mimansa;

Terceiro par:

5- Nyáya

6-Vaishêshika.

Podemos constatar que o Yôga é casado com o Sámkhya e não com o Vêdánta, como muitos livros e instrutores insistem em ensinar.

Neste livro tratamos de Yôga. Comentamos um pouco sobre Sámkhya, já que o Yôga tem mais afinidade com o Sámkhya. Costumo ensinar aos meus futuros instrutores de Yôga: nosso foco deve ser o Yôga, portanto, invista 99% do seu tempo nele. Nosso Yôga é de raízes Sámkhyas, então, dedique 0,9% do seu tempo nele. A literatura moderna de Yôga é muito influenciada pelo Vêdánta, logo, aplique 0,1% do seu tempo para ter uma noção deste último.

Não estudaremos Mimansa, Nyáya, nem Vaishêshika, porquanto entendemos que o Yôga tem uma relação mais tênue com esses outros três darshanas.

Agora que compreendemos a estrutura do Hinduísmo, recordemo-nos de que o Yôga surgiu séculos antes do advento do Shruti, numa civilização que foi extinta justamente quando os arianos ocuparam o seu território. O Vêdismo, que depois foi denominado Brahmanismo, e, finalmente, Hinduísmo, contém muitos elementos da cultura dravídica, mas diversos autores costumam ignorar isso.



[1] Vale a pena esclarecer que refiro-me ao Hi/nduísmo como uma cultura e não como uma religião. É como o Cristianismo. O Cristianismo também é uma cultura que contém várias religiões e seitas.

[2] Ocorre uma diferença crucial entre o conceito de heresia do Cristianismo e o do Hinduísmo. No Cristianismo, através da História, o herege é perseguido, torturado e morto. A simples pecha de herege já embute um sentido pejorativo. Entretanto, no Hinduísmo o conceito de heresia é entendido no sentido universal: heresia é quando uma religião ou seita discorda e se afasta da doutrina-mãe, que constitui tronco principal. O Budismo teve suas origens no Hinduísmo e consiste numa contestação a ele, portanto, é uma heresia em relação ao Hinduísmo. Acontece que o Hinduísmo concede uma tolerância incomensurável às divergências e as absorve quase todas, fazendo-as constituir correntes do próprio Hinduísmo. No caso do Budismo as divergências eram muito relevantes e não foi possível absorvê-lo. Por outro lado, numa demonstração chocante de tolerância, o templo hindu Lakshmí-Narayan (Birla Temple) de Delhi, possui uma alameda que conduz a um templo budista, construído ao lado pelo mesmo mecenas, o Sr. Birla. Os devotos visitam o santuário hindu e, muitas vezes, estendem sua visita ao templo budista – e vice-versa.

[3] Em qualquer idioma moderno (excetuando-se o alemão), a palavra mantra transliterada, como qualquer outra do sânscrito, deve ser escrita com inicial minúscula, a menos que se trate de nome próprio. Aqui Mantras refere-se às Escrituras que contêm hinos. Não se trata dos mantras que utilizamos no Yôga.

[4] Daí deriva o nome da filosofia Vêdánta, termo que significa literalmente o final dos Vêdas, já que o Vêdánta é baseado nas Upanishads.

sábado, 17 de março de 2012 | Autor:

Once, a famous dancer improvised a few instinctive movements. These movements however were extremely sophisticated, thanks to their virtuosity, and as a result, stunning. This body language was by no means ballet, but had undeniably been inspired by dance.

The breathtaking beauty of this technique moved those who witnessed its expressive nature. They asked the dancer to teach them his art. He did so. In the beginning the method had no name. It was something spontaneous which came from within, and which was echoed only in the hearts of those who had been born with the good fortune of having a more refined sensitivity.
The years went by, and the great dancer managed to impart a large part of his knowledge. Until one day, a long time afterward, the Master passed to the invisible plains. His art on the other hand did not die. The most loyal disciples preserved it intact and assumed the mission of passing it on. The pupils of this new generation understood the importance of also becoming instructors and not to modify or alter any of the teachings of the ingenious first mentor.
At some point in history this art gained the name integrity, integration, union: in Sanskrit: Yôga! Its founder joined the ranks of mythology with the name Shiva and with the title Natarája, king of the dancers. Leia mais »

sexta-feira, 25 de março de 2011 | Autor:

O Prof. Camacho nos enviou o seguinte texto:

Encyclopedie des Arts Martiaux de l’Extreme Orient, de Gabrielle e Roland Habersetzer, uma referência ao Tándava. Encontra-se na entrada Kalaripayat. Diz o autor que ‘de acordo com a lenda, este estilo de combate provirá do Samhara-Tándava, dança da dissolução cósmica do deus Shiva, na qual existem movimentos de ataque e de defesa com base no princípio da dualidade Homem-Mulher (Shiva-Shaktí).’ (p. 290, edição de Setembro de 2 000).”

É possível que o casal Habersetzer tenha chegado bem perto e desenterrado dados do Shiva Natarája nyása com outro nome, ou de outra fonte. Sabemos que, por ser muito antigas, as tradições hindus se nos apresentam sob mais de uma versão. As próprias técnicas do Yôga surgem-nos com diferentes nomes. E as histórias da mitologia hindu não raro possuem duas ou três versões diferentes. Por tudo isso, fiquei bem otimista em face ao texto acima. DeRose.

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Querido Grande Mestre

Deixo-lhe mais alguma documentação que confirma os ensinamentos da nossa escola no que respeita ao Shiva Natarája nyása. Desde logo, Kim Min-Ho, doutor em antropologia e membor do CNRS (Centre nationale de la recherche scientifique) em França, no livro L’origine et le développement des arts martiaux. Pour une anthropologie des techniques du corps, afirma que «na Índia, existem métodos de combate estruturados, baseados nas técnicas de Yôga» (p. 24, edição de 1 999, ed. L’Harmattan).
Por sua vez, Patrick Denaud, no livro Kalaripayat. L’origine des arts martiaux (edição de 1996, Editions Budostore), declara alguns aspectos bastante interessantes. Desde logo que nesta arte marcial indiana »as técnicas utilizadas são próximas das do Yôga.» (p. 12). Sobre as origens do Kalaripayat diz esta autor que «se confunde por vezes com as origens do Yôga» (p. 15). Denaud refere uma das origens miticas desta arte marcial:
Mas o mais interessante é chegar, neste livro à secção “Limpeza e purificação do corpo”. Isto quando o autor começa a descrever as técncias utilizadas, como os pontapés, os socos, o ticro com arco, etc… Mas na limpeza e purificação este autor compila as seguintes técnicas:
Dhauti: «Empregam-se quatro procedimentos para purificar o corpo: a lavagem estomacal (antardhauti), a limpeza da cavidade bocal (dantadhauti), a limpeza da peito (hrddhauti) e a purificação do reto (múláshôdhana).» (p. 121). E indica ainda outra técnicas contidas no shat karma, nomeadamente vasti (p. 125), nêti (p. 126), laulikí (p. 126), trátaka (p. 126), kapálabhati (p. 126).

Um grande abraço

João Camacho

 

 

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009 | Autor:

Os Himálayas

Chegando ao meu destino, a cidade de Rishikêsh, fiquei apaixonado pelo lugar. O rio Ganges corre límpido e caudaloso nessa região montanhosa, relativamente próxima da nascente. Pode-se meditar às suas margens, banhar-se em suas águas, cruzar o rio de barco ou pela ponte pênsil. (Ah! Quando conheci essa região a ponte nem sequer existia…)

Rishikêsh é uma cidade muito bonita e imantada com a magia dos séculos. Era uma emoção simplesmente estar ali e saber que aquele solo foi pisado por alguns dos maiores iluminados dos últimos 5000 anos. Ainda hoje, swámis (monges) e saddhus (ermitões) são vistos com frequência. Há dezenas de mosteiros, templos e Mestres de Yôga, de Vêdánta e de outras disciplinas. Os curiosos geralmente deixam-se seduzir pela multiplicidade de escolas e começam a agir como crianças à solta numa loja de chocolates. Misturam tudo, fazem uma bruta confusão e não aprendem nada.

Eu sabia o que queria. Estava indo para o Sivánanda Ashram (pronuncie Shivánanda Ashrám), um dos mais conceituados mosteiros da Índia. Nenhum outro chamariz iria me desviar da meta. Lá encontrei coisas realmente muito boas, tanto que voltei a essa entidade quase todos os anos a partir de então, durante mais de vinte anos. Nesse ashram tive a oportunidade de aprimorar mantras, conhecer mais variedades de pújá, melhorar o sânscrito (especialmente a pronúncia), desenvolver Karma Yôga, Bhakti Yôga, Rája Yôga, sat sanga, meditação, teoria Vêdánta e travar contato com o verdadeiro Hatha Yôga da Índia.

Uma coisa que me chamou a atenção nas práticas de Yôga da Índia, foi o fato de não encontrar lá aquela insistente repetição dos estribilhos comuns nas aulas do Ocidente, recitados com voz doce e de impostação hipnótica, tais como: “calma… não force… suavemente… ótimo, muito bem… cuidado… isso é perigoso…” Ao invés, encontrei ordens severas: “Força! Você pode fazer melhor do que isso! Quero ver mais empenho nessa execução! Aguente mais!”

Eu era jovem, desportista e praticava muito bem os ásanas. Não obstante, às vezes ficava com o corpo todo dolorido depois de uma aula, coisa que no Ocidente não se admite. Mais tarde concluí que a maneira deles era mais coerente, pois Hatha significa força, violência[1].

Na minha primeira prática de Yôga no Sivánanda Ashram, o instrutor mandou-me executar exercícios adiantados, como padmásana, nauli, sírshásana, vrishkásana, mayurásana e outros. E isso sem pedir nenhum exame médico, o que denota um espírito muito mais descomplicado da parte deles. Falou-se livremente sobre a kundaliní (pronuncie sempre com o í final longo), sem o professor assustar ninguém, nem exagerar seus eventuais perigos.

Outra demonstração da descontração reinante no Yôga da Índia é o fato de as aulas serem dadas num clima informal, no qual está aberta a possibilidade do diálogo e até mesmo a de uma anedota posta por um aluno em classe, como ocorreu nesse inverno de 1975. Havia um monge velhinho, cuja função era a de tocar o sino a cada hora certa. Estando muito frio às cinco da manhã em pleno inverno dos Himálayas, ele se refugiou na nossa sala de prática, onde o calor dos corpos de muitos yôgins aquecera o ambiente. No meio da aula ele começou a cochilar e pender a cabeça. Um aluno não perdeu a oportunidade de brincar:

– Olhe lá, professor! O swámiji entrou em samádhi!

O professor riu, todos riram e, em seguida, retomaram a aula com muita disciplina. Aliás, só conseguem essa descontração por existir simultaneamente um profundo senso de disciplina, respeito e hierarquia que falta na maior parte das escolas do Ocidente.

Em suma, gostei do Hatha Yôga e do Rája Yôga experimentados no Sivánanda. Para dar uma ideia do quanto esse ashram (mosteiro) me agradou, basta dizer que ele é de tendência Vêdánta e, apesar disso, recebi lá boas aulas de Sámkhya, o que constitui um raríssimo exemplo de tolerância.

Mais um eloquente exemplo é o fato de que um dos melhores livros de Tantra Yôga foi escrito pelo fundador Srí Swámi Sivánanda, sendo ele de linha oposta (brahmáchárya). Tudo isso contribuiu para, em meus retornos posteriores à Índia, acabar frequentando muito mais essa instituição do que qualquer outra, durante vinte e quatro anos de viagens à Índia.

Depois do Sivánanda Ashram, tive o privilégio de visitar e participar de aulas no Kaivalyadhama, de Lonavala; Iyengar Institute, de Puna; Yôga Institute de Srí Yôgêndra, em Bombaim (atualmente denominada Mumbai); Muktánanda Ashram, de Ganêshpuri; Aurobindo Ashram, de Delhi; todas muito boas escolas, de renome mundial, mas cada qual apresentando uma interpretação, um método e até mesmo uma nomenclatura diferente das outras. Isso me foi tremendamente educativo e ampliou minha tolerância em 360 graus. Nessas viagens conheci pessoalmente e recebi ensinamentos diretamente de grandes Mestres como Chidánanda, Krishnánanda, Nádabrahmánanda, Turyánanda, Muktánanda, Yôgêndra e outros. Segundo os hindus, eles foram os últimos Grandes Mestres vivos, os derradeiros representantes de uma tradição milenar em extinção[2].

 


[1] A palavra hatha é traduzida como violência, força, pelos conceituados autores e livros:

Tara Michaël ‑ O Yôga, Zahar Editores, página 166;

Iyengar ‑ A Luz do Yôga, Editora Cultrix, página 213;

Georg Feuerstein ‑ Manual de Yôga, Editora Cultrix, página 96;

Renato Henriques ‑ Yôga e Consciência, Escola de Teologia, pág. 276 (da 1a. edição);

Mircea Eliade ‑ Inmortalidad y Libertad, La Pléyade, página 223;

Theos Bernard ‑ Hatha Yôga una tecnica de liberación, Siglo Veinte, página 13;

Monier-Williams ‑ Sanskrit-English Dictionary, página 1287.

[2]  No momento em que esta edição é publicada já estão todos falecidos.