Quando eu era criança e comecei a ser alfabetizado sempre encrenquei com o fato de que o que falávamos era diferente do que escrevíamos e vice-versa. Encrenquei com o fato de a letra q ter sempre que vir acompanhada do u mudo (ora, se sempre vem com o u, esta letra é redundante se não for pronunciada). Impliquei com o fato de a mesma letra ter mais de um som, como x que pode ter quatro sons: som de ss (como em máximo), som de z (como em exigir), som de ch (como em deixar) e som de ks (como tóxico – que, por causa dessa confusão, muita gente pronuncia tóchico! Que feio, não é? Se eu estivesse no altar e a noiva dissesse “tóchico” eu não casava mais.).
Mais tarde estudei latim e compreendi porque escrevemos desta ou daquela forma. Finalmente, depois de muito estudar línguas e, inclusive, o latim, o sânscrito, o esperanto e o alfabeto fonético, cheguei à conclusão de que não precisamos nos ater às raízes latinas e podemos perfeitamente repensar a nossa escrita, para torná-la mais lógica e mais fácil de ser aprendida pela população, passando a adotar talvez não o alfabeto fonético num primeiro momento, mas uma ortografia fonética.
Não deixa de ser ilustrativa a opinião do linguista Manuel Mendes de Carvalho: “O essencial da reforma ortográfica de 1911 foi acabar com o despotismo da etimologia, aproximando a ortografia oficial de uma escrita fonética. Aproximando, apenas, note-se, dado que, apesar de tudo, se fizeram vastas concessões a hábitos anteriores, como era o caso de manter inúmeras consoantes mudas, com um ou outro pretexto (homem, directo, sciência, etc.).”
O s teria o som de ss; o c antes de i e de e, e o ç, seriam substituídos pelo s; o z teria o som do próprio z e do s medial (como em coisa, lesar etc.); o qu e o c (antes de a, o e u) seriam substituídos pelo k; o h mudo não tem razão de ser (nós brasileiros já o eliminamos da palavra úmido, que em Portugal escreve-se com h); g seria sempre gutural e substituído pelo j quando tivesse o som desta letra (ninguém mais escreveria errado tijela e beringela – ou será que é tigela e berinjela?); o x seria substituído pelo som que representasse.
Veja como poderia ficar um texto assim escrito:
“Koizas ke a vida me ensinou (A vida me ensinou a ser pasiente)
Tempo, pasiênsia e diplomasia konstituem a fórmula májica para rezolver kuaze todos os problemas de relasionamento umano, seja no trabalho, no kazamento, kom as amizades ou kom os inimigos.
Não adianta nada perder as estribeiras, mudar o tom de voz ou dizer koizas dezagradáveis, vindas lá do fundo do seu instinto animal. Se iso rezolvese alguma koiza, a umanidade já teria rezolvido á séculos a maior parte dos seus konflitos.
Se brigar rezolvese alguma koiza, á tempos já teriam sido solusionadas as kestões da Palestina, da Bósnia, do Pakistão, do Afganistão, do Irã e do Irake. E os kazamentos já estariam todos funsionando azeitados. Mas não é o ke konstatamos.
Koncluzão: brigar não rezolve konflitos.”
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“Por ortografia fonética entende-se uma ortografia em que a cada som corresponda uma letra ou grupo de letras únicos e a cada letra ou grupo de letras um som único, e, ainda, em que, pelo menos no caso das línguas indo-europeias, seja assinalada de algum modo a sílaba tónica.” Manuel Mendes de Carvalho
[Linguas indo-europeias: o sânscrito é uma língua indo-europeia, por isso defendo que se assinalem as sílabas tônicas com um underline para facilitar a leitura, especialmente dos leigos nessa língua.]
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